segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Já...

Já fui fã do Daniel Azulay. Já fiz pequenas peças de teatro. Já viajei pra norte do Espírito Santo, mas quase não conheço a minha cidade. Já tive cabelo liso e moicano, mas nunca me senti plenamente satisfeito.
Já fui assaltado alguma vezes, mas nunca perdi a fé nas pessoas. Já parei meu dia pra assistir um programa de televisão, hoje paro a televisão para assistir o meu dia.
Já tive mulheres de todas as cores, que até hoje são grandes amigas. Já beijei um, para sofrer menos sem o beijo do outro. Já sai de casa escondido, para me esconder da minha casa.
Já sofri muito por amor, agora é o amor que sofre por mim. Já morei sem a companhia dos meus pais, mas com o coração sempre ao lado deles.
Já fiz simpatia, para ser simpático. Já gastei mais dinheiro do que podia, só pra tentar agradar. Já dormi na sala de aula, para fugir dos problemas de escola.
Já andei 6km para chegar à minha casa, mas sempre parece que ainda falta muito pra chegar.
Já fiz muitas coisa. E ainda há muitas a serem feitas.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Como eu não possuo

Olho em volta de mim. Todos possuem ---
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da cor que eu fremiria,
Mas a minh'alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei... perco-me todo...
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo para ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lodo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse --- ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!...

Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo...
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?...

Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor...
Como eu quisera emaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos de harmonia e cor!...

Desejo errado... Se a tivera um dia,
Toda sem véus, a carne estilizada
Sob o meu corpo arfando transbordada,
Nem mesmo assim --- ó ânsia! --- eu a teria...

Eu vibraria só agonizante
Sobre o seu corpo de êxtases doirados,
Se fosse aqueles seios transtornados,
Se fosse aquele sexo aglutinante...

De embate ao meu amor todo me ruo,
E vejo-me em destroço até vencendo:
É que eu teria só, sentindo e sendo
Aquilo que estrebucho e não possuo.

Mário de Sá-Carneiro